São os cantinhos mais interessantes da cidade.
Era para terem passado o trator, seguindo as coordenadas do projeto e transformando um espaço vivo da cidade em via para carros. Mas felizmente, por algum motivo, resolveram parar a máquina de destruir histórias, e o que existia antes continuou ali.
Há bons exemplos disso pela cidade, aqui estão alguns deles.
A rua Salto Grande, no distrito de Perdizes, foi projetada em uma região acidentada, e portanto sobe e desce do início ao fim. Num certo ponto, ela dá de cara com um morro que as máquinas não subiram. Atravessa uma área verde, hoje conhecida como praça Homero Silva, e continua do outro lado, seguindo exatamente o mesmo alinhamento.
Bem ali do lado, nesse mesmo desnível, passa a rua Dr. Paulo Vieira, perpendicular à Salto Grande. Em vez de via para carros, há um trecho em escadaria, e a via continua lá em cima. Até uns vinte anos atrás, havia uma bica com água potável bem ao lado da escadaria. Um curso de água em um grande desnível, principalmente quando tem vazão grande devido às chuvas, cria uma cachoeira. A palavra ‘salto’, para quem não sabe, é sinônima de ‘cachoeira’. O nome da rua Salto Grande provavelmente não é à toa.
Topônimos relacionados à água existem aos montes na cidade, como a rua Verde, construída sobre rio homônimo no Jardim Paulistano, ou a rua Ribeiro de Barros, que segue paralela ao rio Água Preta, na Pompeia. Nestes casos, infelizmente, as máquinas venceram e os rios foram tirados da nossa vista. Mas voltemos aos casos em que quem vence é a vida.
Entre as muitas entradas para o Morro do Querosene, no Butantã, há uma onde carro não passa: a rua Major Rubens Florentino Vaz. É uma entrada só para pessoas. Num certo ponto, os carros que chegam da avenida precisam ficar por ali mesmo ou voltar. As pessoas continuam pelo trecho estreito, onde há fachadas de casas, endereços, histórias. Quando ela chega lá em cima, na rua Padre Justino, há um pequeno trecho em escada para garantir que nenhum motorista ou motociclista tente contrariar o costume local de chegar a pé.

Essa rua para pessoas (o termo viela não aparece nem nos mapas nem na sinalização local) leva quem vem a pé ou de ônibus da avenida Corifeu Azevedo Marques diretamente até o miolo do bairro. Quem vem de carro tem que dar voltas para chegar ao mesmo ponto.
Cantinhos onde carro não passa são bons para lembrar do tempo em que as vias das cidades eram lugares de pessoas, e o diminutivo viela era desnecessário, pois andar a pé não era ser menos.