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Inventei o Épico 2015, que posteriormente ganhou o nome de Volta da Mantiqueira, com um simples propósito: pegar minha bicicleta, ir até Minas Gerais e voltar.

Um Épico é uma viagem de bicicleta que começa e acaba na casa do viajante, feita sem ajuda de qualquer outro meio de transporte. É uma experiência radical de autonomia.

Nessas férias, seis dias eram o que me cabia para fazer a viagem. Como a proposta de um Épico é ir e voltar, conforme você resolve ir mais longe a duração da viagem tende a crescer de dois em dois dias.

Olhando no mapa uma região do sul de Minas de que gosto bastante, encontrei Senador Amaral, uma cidade pequena perto de Cambuí. Numa rápida pesquisa, descobri que é uma cidade relativamente recente (ponto negativo, conforme minhas preferências) e que é a cidade mais alta de Minas Gerais e segunda do Brasil (considerando a altitude da sede), atrás apenas de Campos do Jordão. Resolvi ir para Senador Amaral. Programei um trajeto curto no dia de chegar lá para ter tempo de curtir a cidade e, quem sabe, um friozinho de serra.

A ideia então seria ir por Bragança Paulista e entrar em Minas pela região de Toledo e Munhoz, duas cidades que sempre vejo nas placas da estrada mas que nunca conheci. Cruzar a Fernão Dias no rumo de Paraisópolis, seguindo por terra de forma a pegar um trecho do Caminho da Fé. Dá pra descer por Monteiro Lobato e cair direto no Vale do Paraíba, em São José dos Campos. E mais um dia subindo pra São Paulo.

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Qualquer que seja a duração da viagem em dias, a extensão em quilômetros e o seu preparo físico, internamente um Épico terá o tamanho que você quiser, conforme as expectativas e propósitos que você coloca na empreitada. Especialmente se for um Épico Solo, você terá muitas horas para pensar na vida. A estrada testará sua disposição para resolver problemas, e não falo aqui somente dos problemas externos, mecânicos. Passar horas na companhia de si mesmo faz muito bem. Poder fazer isso com o corpo em movimento é talvez a maior dádiva da combinação bicicleta e estrada.

Uma viagem como esta começa na preparação. Eu já estava com a cabeça na estrada quando comprei e montei os equipamentos que faltavam, fiz alguns testes, separei a bagagem, fiz o pão, preparei os lanches e arrumei o alforje.

Já tinha um ano e meio que essa bicicleta, a Malu, estava comigo. Mas ainda faltavam alguns itens essenciais. Uma manopla mais confortável, pezinho de apoio, luzes traseira e dianteira, bagageiro. Nada como uma viagem para fazer as coisas andarem.

Saí pela cidade com o alforje cheio e pesado para verificar o equilíbrio do conjunto, a firmeza do bagageiro e a distância do calcanhar, pois meu alforje costuma se deslocar para frente com a vibração. Jamais se deve sair para a estrada sem que um equipamento novo tenha sido experimentado.

Numa loja especializada, encontrei um jogo completo de chaves allen. Revisei todos os parafusos da bicicleta e separei apenas as chaves que poderiam ser úteis. Levei também um pequeno vidrinho com antisséptico a base de iodo, caso precisasse desinfetar alguma ferida. Já tive problemas pela falta disso.

Na véspera da viagem eu ainda saí para providenciar mais uma bandana (uso para proteger a cabeça do sol), um gorro (para as noites que prometiam ser frias), uma malha quente pouco volumosa e algumas garrafas de isotônico. Na antevéspera eu fiz o pão caseiro, que tão bem me faz em meus giros de bicicleta, e na véspera preparei e embalei os lanches com queijo branco.

Teve um momento em que toda a bagagem estava separada e espalhada sobre a mesa da sala, com o alforje do lado, sobre uma cadeira. Depois senti falta de uma foto disso tudo. Vários itens dessa bagagem foram comigo até Minas Gerais apenas para dar um passeio, eu não cheguei a precisar deles. Ponto importante para repensar.

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Adoro mapas, e naturalmente tinha que levar alguns comigo. Imprimi cartas topográficas da região com as estradas por onde eu passaria. Espalhei as cartas sobre a mesa, coloquei uma bússola em cima e fiz a foto da partida. Completando o ritual, postei a foto da partida junto com a frase de um livro que releio sempre que estou para sair em viagens como esta.

O capitão do porto fala com o homem que veio buscar um barco para ir à ilha desconhecida.

“Mas tu, se bem entendi, vais à procura de uma onde nunca ninguém tenha desembarcado.

Sabê-lo-ei quando lá chegar.

Se chegares.

Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse.

Queres dizer que chegar, sempre se chega.

Não serias quem és se não o soubesses já.”

(José Saramago, O Conto da Ilha Desconhecida)

 

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