Café da manhã cheio de pão de queijo, bolo, iogurte, geleia. Exceto em uma curta fase da infância, eu nunca liguei muito para geleias. Mas a de gengibre que tinha ali me encantou. Feita na cidade vizinha, Conceição dos Ouros. Resolvi trazer uma comigo, ela chegaria com o gosto dos duzentos e poucos quilômetros que eu tinha pela frente.
Sábado é dia de feira atrás da igreja matriz de Paraisópolis. Feira pequena, com poucas bancas. Muitos daqueles comerciantes estão vendendo frutas, verduras, legumes e ovos produzidos em seus próprios sítios. Enquanto atendem as pessoas, eles conversam e trocam notícias de parentes e amigos. A feira mais parece uma desculpa para os encontros e aquela prosa toda.
Montei a bagagem na bicicleta e segui para o trevo da MG-173, saída sul da cidade. Pela primeira vez em meu trajeto, segui uma indicação para São Paulo. Pensei: aqui começa minha viagem de volta para casa.

Vem então uma longa descida até o vale do rio Sapucaí-Mirim. Nesse trecho eu tive a companhia de outro ciclista, um rapaz ali da cidade que fazia seu trajeto cotidiano. Sem precisar pedalar na descida, fomos conversando tranquilamente pela estrada. Ele estava indo até um bairro rural da cidade, mas me contou que costuma ir bastante até São Bento do Sapucaí, Campos do Jordão e Monteiro Lobato.
Viagens assim ficam ainda mais especiais quando provocam encontros entre histórias diferentes mas igualmente vividas de bicicleta. Essa conversa na estrada logo cedo me fez muito bem, continuei sorrindo por muitos quilômetros. Imagino que fez bem para o rapaz também. Dava para ver no rosto dele, na atenção com que me escutava, olhava para frente, para minha bagagem, para frente outra vez, para aquelas montanhas que são o cenário da vida dele, e que agora eu emprestava para compor meu caminho.

Pouco depois da divisa MG-SP, começa uma subida tortuosa de uns 8 quilômetros na SP-050. Era o único trecho deste dia que me deixava um pouco tenso, por ser um tanto íngreme, numa estrada movimentada e sem acostamento. Mas acabou sendo bem tranquilo naquela manhã de sábado, com direito a vistas maravilhosas lá do alto.
Nesse trecho eu comecei a cruzar com diversos ciclistas em sentido contrário, os speedeiros, que provavelmente haviam saído de São José dos Campos para fazer seu treino de montanha. Isso me tranquilizou ainda mais, pois o fato de haver muitos ciclistas na estrada faz com que os motoristas dirijam com mais atenção. Eu não estava sozinho naquela serra!
A estrada então despenca Mantiqueira abaixo, rumo ao Vale do Paraíba, num trecho de mais de 20 quilômetros de alegria. Momento de brilhar. Resisti à tentação da velocidade para curtir o trajeto. Em vez de passar por ali o mais rápido possível, como seria a lógica de um automóvel, eu queria que aquilo durasse para eu poder olhar a paisagem, os túneis de árvores, as flores da beira da estrada e o rio Buquira, que corre paralelo e surge de vez em quando por trás da mata.
No meio da descida até o vale está Monteiro Lobato, onde parei para um lanche. Havia uma feirinha de artesanato na praça, comprei um pequeno saci de pano para me acompanhar no resto da viagem e depois presentear meu filho.

Depois de Monteiro Lobato, a estrada fica menos inclinada. Além de vários falsos planos descendentes, é uma sequência de pequenas subidas e descidas em que você sempre desce um pouco mais que subiu.
Logo eu estava nos arredores de São José dos Campos, cruzando o rio Paraíba do Sul. Eu havia estudado um pouco meu trajeto pela cidade grande desconhecida. Fui também seguindo a intuição e o fluxo. Por mais improvável que pareça, achei os motoristas de São José mais agressivos que os de São Paulo.
Hoje o meu destino era a Rua da Alegria. “Veio rápido, hein?”, disse meu anfitrião de WarmShowers sorrindo, enquanto abria o portão do condomínio de predinhos. Alex me recebeu como quem recebe um velho amigo. Indicou o lugar para minha bicicleta e me apresentou a dele, com quem fez sua viagem pelo Brasil.
No apartamento, conheci os familiares do Alex, incrivelmente acolhedores, simpáticos e sorridentes. Ambos me olhavam nos olhos com um enorme respeito, sem aquela admiração, muitas vezes forçada, de quem olha um maluco que anda por aí de bicicleta. Resumindo, me olhavam como se olha alguém que está fazendo a coisa mais normal do mundo, como ir à padaria. É muito bom sentir que uma viagem de bicicleta pode ser algo trivial.
Alex me serviu pão feito por ele. Fui comendo, completamente maravilhado com o sabor, enquanto ele me explicava os processos químicos da fermentação natural. Mais tarde, me ofereceu pão para o meu lanche do dia seguinte.
Durante o jantar e após, eu, Alex e o tio dele compartilhamos nossa paixão pelas estradas. Foi uma verdadeira roda de relatos de viagem. Ouvi um pouco da experiência do Alex, um ano e quatro meses pedalando pelo Brasil. Ouvi também algumas aventuras do tio dele, motociclista, que encontra seus companheiros de estrada aos finais de semana. Os olhos dos espíritos viajantes costumam brilhar com essas histórias. Ter isso durante a minha viagem foi um grande presente.
Sabendo da ausência de locais para comer em boa parte do meu trajeto no dia seguinte, enchi a garrafa com um litro e meio de isotônico.
Sobre o meu colchão na sala, fiz anotações no diário de viagem e um alongamento um pouco mais completo. Passei boa parte do dia seguinte agradecendo a mim mesmo por ter feito esse alongamento.
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