O código de trânsito serve para regulamentar o uso que se faz do espaço público formado pelas vias urbanas e estradas do país. Como qualquer lei, seus artigos se aplicam a qualquer pessoa, pelo menos em teoria.
Ao transgredir leis de trânsito, o motorista utiliza o espaço público se maneira inadequada, em benefício próprio, violando o direito alheio de usufruir do mesmo espaço e muitas vezes colocando as outras pessoas em risco.
Até alguns anos atrás, a única punição para a maioria das infrações era apenas uma multa. Assim sendo, uma pequena parcela da população sempre teve condições de comprar o direito de transgredir o código.
Certa vez eu viajava por uma estrada quando fui ultrapassado por um automóvel bastante caro a uma velocidade muito alta. Alguns quilômetros adiante, vejo o carro parado em um posto policial sendo multado. Pouco depois ele torna a passar por mim, ainda em velocidade muito acima da permitida. Mais alguns quilômetros, e a mesma cena: o policial com o pé direito apoiado na roda do carro, talão sobre a perna, escrevendo a multa. O sujeito logo passa por mim outra vez, e não voltei a vê-lo.
O Código de Trânsito Brasileiro aprovado em 1997 instituiu uma novidade interessante: os pontos na carteira de habilitação. Além da multa, cada infração gera um número de pontos negativos que são associados ao documento do motorista e, atingido um certo número de pontos, o motorista teria a habilitação suspensa, perdendo temporariamente o direito de dirigir.
Pontos na CNH são a melhor penalidade criada até hoje para infrações de trânsito, pois atinge todos os motoristas de maneira igualitária e, pelo menos pelas vias regulamentares, não permite que se compre o direito de praticar infrações. É uma pena que o sistema não seja aplicado.
Em um país sério, um motorista pego dirigindo com habilitação suspensa seria preso em flagrante e teria seu carro apreendido imediatamente.
Aqui, o sistema de pontos logo gerou uma nova atividade econômica: escritórios especializados em recorrer dos pontos. Curioso perceber que antes do código de 1997 não havia nas ruas tantos anúncios desse tipo para que as pessoas recorressem da multa. Isso mostra o quanto a sociedade se sentiu ultrajada por estar sujeita aos pontos: “pagar multa, vá lá, eu até pago, mas pontos na carteira já é demais, vou recorrer”.
Seja pela via jurídica, administrativa ou social, sabemos que há muitas formas de se livrar dos pontos na carteira, e por isso o código é constantemente transgredido. Mas o problema está no sistema de privilégios que caracteriza a sociedade brasileira, não no sistema de pontos na CNH.