Quando uma cidade decide que realmente quer diminuir a poluição ambiental e melhorar a saúde de quem vive nela, tem à sua disposição diversos instrumentos para atingir seu objetivo. Um deles é banir ou restringir fortemente a circulação de veículos poluentes em uma determinada área urbana. Essa área passa então a ser uma zona de baixa emissão.
Em uma zona de baixa emissão, a restrição de circulação pode ser aplicada a qualquer veículo poluente ou somente a certas categorias de veículos como, por exemplo, caminhões ou veículos movidos a diesel. Algumas cidades aplicam uma restrição universal e equânime: nenhum veículo da categoria listada circula pela área. Outras dão aos motoristas a possibilidade de comprar o direito de circulação, pelo pagamento de uma tarifa, também conhecida como pedágio urbano. A tarifa pode variar conforme a quantidade de poluição emitida pela categoria do veículo: por exemplo, veículos mais velhos, que tendem a emitir mais poluentes, pagam tarifas mais caras.
Aqui aparece uma primeira questão. Será correto permitir que os veículos comprem o direito de poluir? Lembremos que veículos mais antigos costumam ser usados por pessoas de menor poder econômico. Portanto no caso da tarifa variável conforme o nível de poluição cria-se mais uma situação, bastante comum no Brasil, em que pobres pagam mais e ricos pagam menos. Se a medida realmente busca proporcionar um ar mais respirável para quem vive na cidade, todos os veículos poluentes deveriam ser tirados de circulação nessas áreas.
Centenas de cidades, sobretudo na Europa e na Ásia, implantaram zonas de baixa emissão em seu centros urbanos. Em Londres, por exemplo, os veículos sujeitos à tarifa pagam 12,50 libras por acesso (aproximadamente 77 reais, conforme a taxa de câmbio de hoje). Já em Roma, Bruxelas e Lisboa, os veículos das categorias mais poluentes são totalmente proibidos de entrar nas zonas durante os horários de restrição, que variam conforme a cidade. A multa para quem viola a restrição em Lisboa, por exemplo, é de 120 euros (cerca de 643 reais hoje).

Os impactos positivos de uma zona de baixa emissão podem ser bastante limitados se ela for implantada de forma isolada. Para estimular que as pessoas a reorganizem suas vidas e adotem formas de deslocamento menos poluentes, é importante que as restrições de circulação venham acompanhadas de outras mudanças: melhoria substancial do transporte público, criação ou ampliação de infraestrutura de estacionamento para bicicletas, reformulação do desenho das ruas e calçadas para melhorar a circulação de pedestres, incentivos para a aquisição de bicicletas ou automóveis elétricos.
Com tantas variáveis envolvidas, a criação de uma zona de baixa emissão é uma decisão complexa e pode servir a diferentes propósitos. Se surge de uma intenção genuína de melhorar a qualidade de vida das pessoas – que, aliás, compreende muito mais do que a qualidade do ar –, uma zona de baixa emissão se aplica igualmente a todos, sem a possibilidade de pagar para manter o antigo modo de vida. E vem acompanhada de uma melhoria considerável das alternativas de transporte, ajudando as pessoas a se livrarem da carrodependência.
Infelizmente é grande a possibilidade de que as restrições acabem, na prática, servindo apenas a interesses econômicos. Grupos corporativos que dominam as tecnologias de controle de circulação (operadoras de pedágios) certamente ganham com a cobrança de tarifas. Todo o setor industrial ligado à produção de veículos elétricos espera ansiosamente pelos incentivos públicos à troca de veículos movidos a combustível fóssil por veículos movidos a eletricidade.
A criação de uma zona de baixa emissão é uma oportunidade para fazer com que todos redesenhem suas formas de viver na cidade, e isso realimenta a reorganização da própria cidade.
Quando esse assunto for aberto por aqui, é importante que haja ampla participação da sociedade civil em um processo coletivo de reflexão sobre projeto de cidade, de forma que a discussão não acabe dominada pelos interesses das concessionárias de pedágios nem pela indústria de automóveis elétricos.
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