distrações

Abre o semáforo. O carro demora a andar porque o motorista ainda precisa terminar de enviar a mensagem que está digitando. A cena é comum e pode ser observada pelo pedestre que está na calçada ou pelo motorista do carro logo atrás. Este, geralmente tomado da pressa irracional e da absoluta falta de paciência que caracteriza a vida atrás do volante, tenderá a buzinar, dando sua contribuição para a poluição sonora das cidades.

O hábito de usar aplicativos de mensagens enquanto se dirige cresce de forma visível a olho nu, basta prestar atenção. Uma pesquisa feita por uma seguradora alemã revelou números sobre esse crescimento.

Entre 2016 e 2022, a proporção de motoristas alemães que admitem pegar o telefone para ler e escrever mensagens de texto quando estão dirigindo aumentou de 15% para 24%. Os números parecem até baixos, considerando o que se vê nas ruas todos os dias por aqui. Só um em cada quatro motoristas? Duvido.

A realidade na Alemanha talvez seja bem diferente da nossa, e é preciso também considerar que participantes de pesquisas sobre hábitos condenáveis nem sempre são sinceros em suas respostas. De qualquer forma, o dado parece relevante.

Um comunicado de imprensa em inglês sobre a pesquisa, traz seus principais resultados (o relatório principal foi publicado somente em alemão).

O texto do comunicado observa que, se dirigir bêbado é hoje consensualmente uma prática considerada inaceitável, o mesmo não acontece com o uso de aplicativos ao volante. Ao contrário, cada vez mais motoristas consideram isso algo natural.

Foto: Roman Pohorecki / Pexels

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A lei brasileira prevê multa para quem dirige falando ao telefone. Ainda assim é comum por aqui vermos pessoas com uma só mão no volante, a outra segurando o telefone. Filmes que escurecem os vidros tornando-os parcial ou totalmente opacos são hoje acessórios indispensáveis para a maioria dos motoristas, e um dos motivos disso é justamente dificultar a fiscalização, garantindo a eles a liberdade de poderem conversar à vontade enquanto dirigem.

Os aplicativos de mensagens de texto estão hoje substituindo as chamadas de voz como forma de comunicação. Fica ainda mais fácil disfarçar, pois o telefone pode ficar fora do campo de visão de quem está fora do veículo.

Quem já usou transporte por aplicativo provavelmente pôde reparar como o motorista fica o tempo todo interagindo com o aparelho. E não é apenas para seguir o trajeto proposto pelo aplicativo. Os motoristas ficam também avaliando os novos chamados que recebem, de forma a recusá-los ou aceitá-los e minimizar o tempo entre uma corrida e a seguinte.

Perceba como o aplicativo é desenhado para exigir a atenção e a ação do motorista enquanto ele dirige. Se o motorista está com uma corrida em aberto, significa que ele necessariamente está dirigindo, certo? O aplicativo deveria voltar a enviar chamados ao motorista somente quando a corrida fosse encerrada. Cínica como sempre, a empresa de aplicativo provavelmente alegará que envia esses chamados para que o motorista os avalie com o carro parado, e que qualquer desvio disso é por conta do prestador de serviço. O fato é que, ao enviar esses chamados durante a corrida, o aplicativo atrai a atenção do motorista enquanto ele dirige, tornando a empresa responsável pelas potenciais consequências disso.

Diversos fatores de distração estão ao alcance do motorista enquanto ele dirige. Além da comunicação por voz ou texto, os telefones também permitem ver fotos, consultar páginas da web e mídias sociais, jogar jogos, tocar música, usar aplicativos de encontros, acessar bancos. Alguns automóveis são também equipados com telas que podem ter funções de computador de bordo (informações sobre a viagem e o desempenho do veículo), rádio e até mesmo vídeo para os ocupantes do veículo assistirem.

Segundo o estudo, o risco de sinistros de trânsito aumenta por volta de 50% devido a essas distrações. Porém, protegido por cinto de segurança, airbag e a carcaça de aço que o envolve, e ainda mais num país onde a chance de se ir preso por atropelar e matar alguém é nula ou quase nula, os motoristas têm pouco com que se preocupar. São livres para usar seus brinquedinhos.

Por isso a ideia do veículo autônomo, que deixa o motorista livre para viver sua vida imerso na tela sem maiores aborrecimentos, aparece na imaginação futurista de muita gente como a suprema redenção.

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