deslumbrados

Tinham acabado de abrir para o público a linha amarela do metrô de São Paulo. Funcionava somente por algumas horas no meio do dia, entre apenas duas estações, gratuitamente.

Eu viajava no primeiro vagão, olhando o caminho subterrâneo pelo para-brisa do trem.

É um trem sem condutor, e os técnicos estavam monitorando o seu funcionamento. Abriram um painel eletrônico, que normalmente fica escondido, cheio de luzinhas, números e controles. Ficaram mexendo e falando pelo rádio com a central.

Um outro passageiro também assistia a viagem subterrânea hi-tech e o trabalho dos técnicos no painel eletrônico. O rapaz tinha uns trinta e poucos anos, jeito de quem trabalha em escritório. Viu o logotipo no uniforme do técnico e perguntou:

— Vocês são da Siemens?

— Sim, o sistema de controle dos trens é da Siemens.

— E os trens são feitos na Coreia, certo?

O outro concordou.

Terminou a viagem, o trem abriu as portas, saímos andando pela plataforma.

Deslumbrado e sorridente, o rapaz comentou comigo:

— Que beleza, hein? Deviam trocar todos aqueles trens velhos das outras linhas e colocar trens que nem este aqui.

Preferi ficar quieto. Curioso o raciocínio desse rapaz.

Primeiro. Os trens das outras linhas estão funcionando perfeitamente. Por que trocá-los? Só por causa das luzinhas? Ou seria só por causa dos traços “modernos” e do acabamento novo? Metrô existe para ser um meio de transporte, não uma peça de arte futurista. Espera-se que ele carregue pessoas, não que seja um brinquedo de gente grande.

Segundo. Se há dinheiro para comprar trens novos, com ou sem essa tecnologia toda, fantástico: aumentamos a frota. Mas o rapaz propõe, antes disso, que os trens antigos sejam substituídos! De acordo com sua ordem de prioridades, substituir uma frota antiga em perfeitas condições é mais importante que aumentar a quantidade de trens, tão sobrecarregados.

É com esse tipo de raciocínio que vivem os deslumbrados, principais agentes da obsolescência programada. Mostre-lhes luzinhas da cor da moda ou cenas que lembrem filmes de ficção científica e eles baterão palminhas. Todo o resto será considerado velho, e isso é para eles condição suficiente para que haja substituição.

Argumentos racionais perdem totalmente o efeito diante de um deslumbrado, mesmo que o assunto seja uma questão séria como transporte urbano.

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