As pessoas daqui vivem cercadas, enjauladas.
Autoenjauladas.
Fazem isso porque têm medo. Têm muito medo.
Vidros pretos, SUVs, grades, cercas eletrificadas, câmeras, seguros, serviços de segurança privada, blindagens, condomínios com área verde privativa, tantos produtos da indústria do medo, um setor da economia em franco crescimento.
O volume de negócios que esse setor movimenta, um número que cresce a cada ano, é uma boa medida da quantidade de medo que existe na sociedade.
O medo não apenas cresce, é cada vez mais cotidiano. Cada vez mais decisões e gestos naturais do dia a dia estão fundamentados no medo. Escolhas de lazer, de meio de transporte, de lugar para jantar ou encontrar os amigos, de onde levar as crianças para brincarem. A forma de se relacionar com as pessoas na rua, de reagir quando um desconhecido pede uma informação.
Muitas crianças jamais poderão ir caminhando até a escola, e assim deixarão de viver importantes experiências. Perceber a cidade, observar as árvores, as casas e as pessoas, conhecer cada detalhe do caminho diário, reparar que o buraco que tinha naquela esquina não está mais lá porque consertaram, nada disso terá lugar no olhar dessa criança.
O cheiro da rua, que muda na primavera ou depois de uma chuva, não ficará em sua memória de infância. Ficará apenas o cheiro de carro novo a cada vez que a família troca pelo modelo do ano.
Algumas continuarão isoladas do mundo já depois de grandes, não poderão voltar da escola caminhando num grupo de amigos para um dia, aleatoriamente, variar o caminho e descobrir quanta coisa boa e nova pode vir de um simples gesto de quebra da rotina.
Essas crianças vivem pelo mundo involucradas em automóveis, alguns de dimensões monstruosas, objetos de mais de uma tonelada fabricados para pessoas que, por terem medo, preferem passar por cima dos outros antes que um outro o faça.
Essas crianças crescerão vendo o medo estampado no rosto de seus pais.
Cada vez mais profundo, o medo torna as pessoas incapazes de um gesto fundamental à espécie humana: olhar nos olhos.
As pessoas daqui não sabem mais olhar nos olhos.
Restam só duas formas de atitude na interação com o outro: arrogância ou submissão.
Tratar o outro como um semelhante passa a ser algo ameaçador.
Com os gestos de igualdade caindo em desuso e com as pessoas sentindo medo umas das outras, o processo civilizatório fica suspenso, e caminhamos na direção da barbárie.
E agora que o mercado percebeu que medo é um bom negócio, fará de tudo para te convencer a ter medo.
Viver sem medo será, cada vez mais, um gesto subversivo.
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