Conta-se que existe uma espécie de acordo tácito nas autoestradas alemãs quanto à prioridade na passagem, tendo como critério a marca do carro: Porsche, Mercedes-Benz, BMW, Audi, Volkswagen (em ordem decrescente de prioridade).
Assim, motoristas que viajam num automóvel inferior seriam moralmente obrigados a ceder a passagem a alguém que vem num automóvel superior.
Naturalmente esta informação não será encontrada na Wikipedia, mas algumas páginas por aí fazem referência a isso. Esta história foi também mencionada em um documentário sobre as autoestradas alemãs.
É interessante que, com uma lista simples e sincera de marcas, o senso comum alemão tenha sistematizado um fenômeno que acontece em todas as sociedades que admitem a riqueza material como medida de valor pessoal e, consequentemente, assumem os bens ostentados como símbolos para orientar os comportamentos sociais. Se existe algum país do chamado ocidente que possa se considerar livre desse tipo de escala de valor, eu desconheço.
Até mesmo em países ou regiões com alto grau daquilo que é entendido neste blogue como civilização, sempre haverá as capitais e grandes cidades, os centros de poder e riqueza, as ilhas de “sofisticação” em que essa medida de valor é plenamente válida e rege as relações sociais do cotidiano.
Nas ruas de São Paulo, os AMGs (Automóveis Muito Grandes) têm a função de deixar bem claro quem é melhor que quem. Sua superioridade é frequentemente aceita (portanto, legitimada) pelos motoristas de automóveis menores que, ainda que inconscientemente, lhes cedem a passagem, da mesma maneira que os motoristas alemães que supostamente seguem a escala das marcas de automóvel.
Em nossa cultura, é plenamente aceitável que algumas pessoas sejam melhores que as outras. Alguns valem mais, outros valem menos. Uma sociedade aristocrática tem a necessidade de distinguir seus membros dessa forma. Só que, no mundo aristocrático, o valor de uma pessoa é natural, ser superior ou inferior está na essência da pessoa, e esse valor é dado.
Na cultura do consumo, é possível comprar essa superioridade, e essa é a grande maravilha introduzida pela proposta burguesa de sociedade.
Como são raros, inclusive entre os não ricos, aqueles que são capazes de desconsiderar a escala de valores baseada em posse material, a proposta burguesa de sociedade significa pelo menos duas coisas. Para aqueles que produzem os símbolos de superioridade, a demanda estará sempre garantida. Para todos os outros (exceto aqueles que são capazes de desconsiderar essa escala de valores) a vida será uma eterna corrida de ratos.