Usar ou não o capacete para pedalar é uma escolha individual de cada pessoa, pois diz respeito ao seu próprio corpo. Pesar argumentos contra e a favor é algo que cabe a cada um fazer em relação à própria prática, e não com a finalidade de convencer os outros. Está fora dos propósitos deste blogue adotar discursos prescritivos, sobretudo em relação a algo dessa natureza.
No plano coletivo, entretanto, o uso do capacete é um dado cultural, e pode ser usado como um indicador relacionado à cultura da bicicleta. É exatamente isso que faz o Copenhegenize Index ao considerar o uso do capacete como um dos quesitos para avaliar o quanto uma determinada cidade é acolhedora para quem pedala.
Conforme está descrito em sua metodologia de avaliação, o Copenhegenize Index leva em consideração duas informações referentes ao capacete: a proporção de pessoas que usam esse equipamento e a promoção que se faz de seu uso. O interessante é que, nos critérios do Copenhegenize Index, receberão melhor pontuação as cidades em que esses dois dados forem mais baixos.
Mas não deveria ser o contrário? Uma cultura da bicicleta bem desenvolvida não implicaria ciclistas mais conscientes dos aspectos de segurança? Talvez não, e é natural que seja um pouco difícil para nós, que vivemos no meio da barbárie, compreender a visão que têm do assunto as pessoas que vivem em lugares onde existe civilidade e respeito. Um raciocínio simples pode ajudar a olhar isso de fora.
Se, numa cidade imaginária, uma grande quantidade de pessoas usa colete a prova de balas para ir à padaria, ao trabalho e passear pela rua, isso não é exatamente uma demonstração de que o lugar é desenvolvido em termos de segurança, mas sim uma evidência de que as pessoas sentem que podem ser baleadas a qualquer momento, certo?
Numa interpretação cultural, o capacete nada mais é que indício de uma percepção de vulnerabilidade. Portanto, um lugar onde ele é muito usado e incentivado certamente não parece um lugar acolhedor para a bicicleta.
Cidades brasileiras com uma taxa de uso da bicicleta bastante acima da média nacional parecem comprovar os pressupostos do Copenhegenize Index. O livro O Brasil que Pedala traz os resultados de um estudo feito em cidades brasileiras de até 100 mil habitantes em que a cultura da bicicleta é bem consolidada. A participação modal média da bicicleta nas 11 cidades estudadas é de 21,9%, havendo um caso (Tarauacá – AC) em que ela chega a 73%. O estudo revelou que o capacete é bastante raro nessas cidades: na média, menos de 1% dos ciclistas usam capacete. Portanto não é preciso ir até a Dinamarca para conhecer uma realidade em que uma forte cultura da bicicleta está associada ao baixo uso do capacete.
Parece ser um grande desafio, para muitos, olhar a questão do capacete como um dado cultural, sem tomar posição contra ou a favor nem levar a discussão para o campo dos argumentos técnicos, tidos como portadores de verdades irrefutáveis. Com o exemplo dessas cidades brasileiras, podemos vislumbrar mais facilmente, e sem adotar uma perspectiva eurocêntrica, uma realidade em que o uso da bicicleta seja parte natural da vida, sem estar sujeito a um controle de comportamentos.