É bom estar lá no alto, certo? É bom dar ao mundo uma mostra do seu sucesso e de quebra ser respeitado nas ruas por causa do seu tamanho, certo? Para isso existem os SUVs.
Parece que cada vez mais gente pensa assim, e os dados sobre o mercado desse tipo de veículo comprovam isso. O número de emplacamentos de SUVs entre janeiro e abril deste ano foi 51% maior que no mesmo período do ano passado. Uma pesquisa apontou que 40% dos brasileiros que pretendem trocar de carro neste ano desejam ter um SUV.
A mesma tendência já é observada há tempos na capital do império. É de lá, aliás, que vem essa cultura de vencer passando por cima dos outros, que faz bastante sentido para muita gente aqui na periferia do extremo ocidente. Além do aumento do espaço ocupado pelos veículos motorizados nas cidades, outra consequência dessa moda é o crescimento das emissões prejudiciais ao meio ambiente, já que essas coisas demandam muito mais combustível para se moverem. Isso já seria motivo suficiente de preocupação.
Porém, os problemas dessa epidemia mercadológica de tanques de guerra urbanos vão além: os SUVs são bem mais letais do que os automóveis comuns. Um artigo científico publicado há mais de dez anos demonstrou, com base em dados de diversos outros estudos sobre o assunto, que a chance de um pedestre sofrer lesões fatais caso seja atropelado por um SUV é 50% maior do que no caso de ser atingido por um automóvel convencional.
É fácil entender o porquê disso, observando as formas e dimensões brutais desses veículos. Um automóvel baixo atinge pedestres ou ciclistas na altura das pernas, fazendo a pessoa girar e deslizar por cima do capô, pára-brisa e carroceria. Já no caso de um SUV, com sua frente mais alta e quadrada, o impacto inicial será na pélvis, abdômen ou peito, podendo causar traumas em órgãos vitais. Atingindo a pessoa em cheio, a força do impacto é totalmente transmitida para seu corpo, o que torna o evento muito mais violento. Além disso, em vez de deslizar por cima do capô, o corpo pode ser jogado para frente, havendo ainda o risco de um segundo encontro, quando o SUV possivelmente passará por cima da vítima.

A onipresença dos automóveis em nossa sociedade carrocrática torna o atropelamento algo tão trivial e cotidiano que muitas vezes deixamos de perceber a violência envolvida. Uma interessante matéria sobre o assunto traz a descrição em câmera lenta de um atropelamento. Prepare-se para imagens fortes.
Aproximadamente 40 milissegundos após o contato inicial do veículo em movimento, há um primeiro pico de força sendo aplicado no corpo da pessoa. Em velocidades de até 30 km/h, essa força distende e rompe os ligamentos da perna; se o veículo estiver a 50 km/h ou mais, a força é suficiente para quebrar ossos imediatamente. Ali pelos 70 milissegundos, o corpo da vítima começa a envolver a borda dianteira do capô. Nesses veículos de frente mais alta, o ângulo entre a grade dianteira e a parte superior do capô costuma ser mais quadrado, em comparação com a forma inclinada do capô dos automóveis baixos. Imagine então o corpo se dobrando sobre esse ângulo. Conforme a velocidade, a cabeça e o tronco devem bater em algum lugar do capô ou do pára-brisa em algum momento entre 100 e 160 milissegundos do evento. Tudo isso acontece muito antes que motorista ou vítima possam se dar conta do que está acontecendo. Seja atrás, ao lado ou à frente do veículo, um corpo flácido logo estará rolando pelo chão feito linguiça.
É graças a essas características do desenho de um SUV que o atropelamento por esse tipo de veículo tem 98% mais chance de causar lesões severas no tronco, conforme mostrou uma pesquisa de uma associação estadunidense de medicina automotiva. E há ainda aqueles proprietários que modificam a suspensão para torná-lo ainda mais alto ou colocam para-choques tipo quebra-mato ou bull bars em seus brinquedões para torná-los ainda mais intimidadores.
Com o tamanho do veículo, crescem também os pontos cegos para o motorista. Ônibus e caminhões têm o mesmo problema, mas seus motoristas precisam de habilitação de categoria diferente e passam por treinamentos especiais. Além de não trafegarem em qualquer lugar e, nos lugares em que o fazem, movimentam-se bem mais lentamente, devido ao seu tamanho. Atualmente os SUVs já infestam todos os cantos da cidade, incluindo vias locais estreitas, comportando-se como se fossem automóveis compactos.
Formas de ostentar superioridade são um componente importante da sociedade de consumo. Para que ela se reproduza, a cultura da competição precisa estimular a vontade de estar lá no topo e, ao mesmo tempo, oferecer formas de expor publicamente as conquistas de quem seguiu seus dogmas à risca. Esses chamados “bem-sucedidos” cumprem o papel da cenoura, atrás da qual os cidadãos-ratinhos condicionados devem correr de forma a manter a gaiola girando para todos.
Enquanto isso só afeta aqueles que decidem entrar no jogo, deixando aos outros a possibilidade de escolher outros projetos de vida, isso poderia até ser tolerável. O problema é quando as opções de alguns passam a afetar diretamente aqueles que escolheram outras formas de viver ou, como no caso em questão, passam a tirar dos outros a própria vida. Aqui, a cultura da competição se transforma em um enorme problema de saúde pública.
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