Uma das coisas boas de morar em cidade pequena é ter que pegar a estrada para ir até outra cidade fazer compras, resolver coisas, visitar pessoas. Ter estrada na vida faz bem para a cabeça. Quem vive em uma mancha urbana contínua e interminável também viaja, muitas vezes o mesmo tanto ou até mais. Apenas perde a parte boa que é a estrada.
As cidades sempre tiveram suas entradas e saídas, conexões com outras cidades ou com seus bairros e distritos afastados. Quando o núcleo urbano ainda é pequeno, esses bairros e distritos ficam separados da sede municipal e entre si por áreas rurais. É preciso algum esforço para imaginar Lapa, Santo Amaro, Penha ou Freguesia do Ó separados de São Paulo por áreas de mata. Com o tempo a mancha urbana cresce e começa a englobar bairros e até cidades que estão em volta, num processo chamado conurbação. O crescimento acompanha as estradas que ligam esses núcleos, elas perdem o aspecto de estradas rurais e vão se transformando em vias urbanas muito movimentadas, já que preservam sua função histórica de serem conexões entre centralidades importantes.
A bicicleta não recupera a paisagem, mas pode recuperar o sentido de estrada. No ritmo da bicicleta, a estrada continua onde sempre esteve.

Daqui do Butantã, meu trajeto para São Paulo geralmente vai pela SP-312, pelo menos até cruzar o rio Pinheiros e a primeira ferrovia. Quando eu morava do lado de lá, eu vinha para o Butantã por outro caminho. A ponte da SP-312, conhecida como Eusébio Matoso, me parecia feia e perigosa. Agora vejo que era apenas falta de costume. Hoje ela parece uma das mais simples de atravessar, pois a subida é leve em ambos os sentidos, dá para manter uma boa velocidade, a tensão da travessia dura poucos segundos.
Menos de um quilômetro depois da ponte é preciso fazer uma escolha. Virando à direita, atravessamos uma planície cheia de riozinhos e alagados, onde hoje existe uma grande cidade-jardim. Vamos então subindo aos poucos até encontrar uma imensa área verde urbana com um lago. Indo em frente, seguimos rumo a São Paulo, mas teremos antes uma longa subida para cruzar o Caaguaçu em um de seus pontos mais altos. E seguindo à esquerda chegamos a um largo, em Pinheiros, onde havia o Mercado Caipira e de onde saíam os bondes para São Paulo. Dali, podemos pegar a Estrada da Boiada, por onde se chega à Lapa e à outra ferrovia, contornando o Caaguaçu.
Na volta, dependendo do roteiro da viagem, às vezes escolho pegar outra ponte, aquela que eu costumava usar antes. Ela fica logo ao lado da Adutora de Cotia, sai da várzea próxima da Estrada da Boiada e vai dar bem perto dos portões da universidade. Nesse local, pego um trecho de uma importante estrada federal, a BR-116. Mesmo sendo uma via de tráfego intenso (reduziu bem com a abertura do rodoanel), esse trecho não me parece tão perigoso (será o costume?). Logo essa estrada encontra a SP-312, onde viro à direita, no sentido de Itu. Há então um trecho plano e um tanto monótono, num falso-plano ascendente, onde é comum haver também um leve vento de noroeste (vento contra, portanto). Felizmente já estou perto de casa.
Às vezes é bom não ter tudo por perto. Dependendo do olhar, uma viagem urbana pode ser uma boa oportunidade de pegar a estrada.
Que delícia andar pelos caminhos conhecidos com nomes originais. Tem uma coisa que me toca sempre que passo por lá. A BR 116 começa a pouco mais de 1 quilômetro da minha casa. Acho isso bem loko!