Junho de 2012. A página de notícias da prefeitura de São Paulo anunciava o programa Escolas de Bicicletas dizendo ser o “único de formação de ciclistas urbanos do mundo”. Por meio desse programa, os então 45 CEUs (Centros Educacionais Unificados) da cidade receberiam bicicletas de bambu equipadas com bagageiro, alforje, espelho retrovisor, iluminação e buzina, acompanhadas ainda de colete refletivo, capacete e cadeado.
A ideia era que os alunos pudessem fazer de bicicleta o trajeto entre escola e moradia. O investimento da Secretaria de Educação seria de R$ 3,1 milhões, e ainda previa R$ 1,4 milhão por ano para manutenção do programa. O convênio (nº 252/SME/2011), firmado entre essa secretaria e uma organização privada (Instituto Parada Vital) previa a entrega de 5000 bicicletas de bambu.
Na época houve muita repercussão dentro dos círculos ligados à bicicleta sobre essa iniciativa, tanto sobre seus méritos quanto sobre a falta de continuidade do programa. Sabe-se que pelo menos parte dessas bicicletas foi de fato entregue. O convênio foi objeto de inspeção pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo, que apontou, entre outras irregularidades, “atraso na prestação de contas pelo Instituto”, “custo unitário da bicicleta elevado, superior ao previsto no Plano de Trabalho” e “não demonstração da capacidade técnica, organizacional e estrutural do Instituto para a execução do objeto”. Tais irregularidades talvez pudessem ter sido corrigidas, mas o fato é que o trabalho não foi para frente. Os reais motivos da descontinuidade são pouco claros até hoje.
De qualquer forma, essas bicicletas ainda existem. Encontramos algumas delas no CEU Vila Rubi, na zona sul. Elas estão guardadas em um subsolo da unidade.

Por falta de uso e manutenção, elas estão deteriorando. Acreditamos que as bicicletas de outros CEUs se encontram em estado semelhante. Mesmo com o convênio tendo sido descontinuado, as bicicletas são agora um patrimônio desses CEUs e estão sob responsabilidade das equipes de gestão das respectivas unidades. Assim como outros materiais, como as bolas de diversas modalidades, as cordas de pular e os equipamentos para uso na piscina, poderiam estar disponíveis para a comunidade de usuários.
No estado em que se encontram, realmente não há condições de utilização, e sua recuperação implicaria algum gasto. Em conversas com servidores pudemos ter uma ideia das complicações relacionadas ao seu uso, o que faz com que elas tenham chegado a esse estado.
Parece haver um receio generalizado em mexer nesses materiais, pelo simples fato de as bicicletas já terem sido objeto de processo no TCM. Existe também na cultura organizacional da administração escolar uma resistência contra ações que estejam fora de uma rotina de trabalho testada e repetida ao longo dos anos. Uma ideia inovadora pode até parecer interessante, mas os servidores se sentem o tempo todo na mira da responsabilização. “Depois, se acontece alguma coisa com alguma bicicleta ou, pior ainda, com algum aluno, virão lá de cima me cobrar, eu é que não vou assumir isso”. A frase, bastante típica na cultura brasileira, funciona como uma justificativa universal para não fazer, qualquer que seja a iniciativa.
Talvez haja ainda uma falta de ideias concretas sobre os usos que uma bicicleta pode ter em um ambiente escolar. Aulas de educação física costumam contemplar modalidades como atletismo e esportes com bola, mas a bicicleta infelizmente não faz parte desse universo. É possível também pensar a bicicleta para além de um enquadramento esportivo, em um uso voltado para trabalhar habilidades físicas e pessoais importantes, o que inclusive estaria bastante alinhado com as bases curriculares da educação.
Essas possibilidades, entretanto, parecem estar ausentes da cultura escolar. Professores de educação física com boa formação certamente conhecem o potencial da bicicleta para o desenvolvimento das pessoas. Parece, porém, ser necessária a participação de algum ator externo capaz de trazer a cultura da bicicleta para dentro do dia a dia escolar. O projeto Comunidades Escolares que Pedalam trouxe algumas propostas muito bem sucedidas de como fazer isso.
É um tanto estranho saber que há bicicletas deteriorando nos porões de algumas escolas quando poderiam ser usadas de maneiras tão interessantes, independentemente dos propósitos iniciais do programa que trouxe esses equipamentos.