Entre o aqui dentro e o lá fora, existe um espaço liminar onde parte da vida precisa acontecer: a varanda. A necessidade humana de não fazer nada encontra aí o ambiente perfeito. Estrategicamente localizada lá fora, onde estão o vento, as árvores, as luzes do dia, os cheiros da noite, mas ao abrigo do sol e da chuva, a varanda permite que se fique lá fora por horas a fio.
Esse espaço privilegiado, presente há muitos séculos na arquitetura vernacular brasileira, permitiu o surgimento de uma arte que vem sendo aperfeiçoada sem mestres, em inúmeras linhagens espontâneas, conhecida como varan-dô – o caminho da varanda.
Como acontece com qualquer caminho de desenvolvimento pessoal e espiritual, o varan-dô deve ser praticado com seriedade e respeito a certos princípios básicos. Talvez o mais importante deles seja: não fazer nada. Deve-se encontrar uma posição confortável na cadeira, na rede, em uma almofada ou mesmo no chão e ali permanecer de maneira descompromissada, de olhos abertos, apenas olhando.

Existe aqui uma curiosa semelhança com o princípio taoísta da não-ação (wu-wei), sem que haja qualquer evidência de origem comum ou influência mútua entre esses dois caminhos milenares.
Deve-se fazer um alerta ao praticante novato, que tende a confundir as coisas. Tendo encontrado uma posição confortável, especialmente quando dispõe de uma rede, o praticante pode se sentir tentado a fechar os olhos, e isso vai fazer com que se perca de sua prática, a ponto de adormecer. Nesse caso, novato, você não está praticando o varan-dô, você está dormindo. O varan-dô, conhecido em muitas províncias também como varandismo, se pratica de olhos abertos. Qualquer que seja o caminho, o verdadeiro desenvolvimento demanda certos esforços.
Dificuldade semelhante encontra também o praticante do yoga com a postura shavasana, na qual deve haver, junto com um relaxamento profundo em posição deitada, um sério empenho para evitar que se adormeça. A respiração correta pode ajudar bastante nos dois casos.
A prática do varan-dô pode também acontecer em grupos. Quando se ocupa uma varanda junto com os amigos, os momentos se sucedem de maneira natural: conversa, risada geral, cantoria. E há também os momentos em que todos se calam. É aí, nesse silêncio grupal, que se pratica coletivamente o varan-dô. Cada um olhando aquilo que quiser: uma nuvem, uma formiga, a lua, a árvore que balança ao vento, o pássaro que também apenas olha, as galinhas ciscando, o pensamento e seus caminhos ao infinito.
Na ausência de uma varanda física, o varan-dô pode ser praticado, ainda que de forma bastante limitada, sob um beiral, em um quintal ou junto a uma janela. A intenção é essencial nesta prática.
No encontro do aqui dentro com o lá fora está o grande portal. A prática diária traz equilíbrio e grandes benefícios à saúde do corpo e da mente.
É apenas genial!