Uma das funções chave nas agências de publicidade é a do diretor de mídia. É a pessoa que avalia que meios de comunicação são os mais adequados para divulgar a mensagem do anunciante, conforme o produto que está sendo promovido. O diretor de mídia é quem administra parte considerável da verba publicitária, com a missão de investi-la nas formas de divulgação que atinjam o público-alvo da mensagem de forma mais precisa.
Por exemplo, o anúncio de um banco de investimentos deve aparecer no intervalo comercial de um programa assistido por adultos abastados. Se o profissional de mídia escolhe veicular esse anúncio no intervalo da programação infantil de um canal de televisão popular, estará usando uma estratégia equivocada, desperdiçando a verba publicitária do anunciante.
Depois que teve sua gestão privatizada, a Ciclovia Rio Pinheiros, chamada por muitos de Ciclo-Capivara, transformou-se rapidamente em um espaço de consumo. Quiosques com peças e acessórios para bicicletas de marcas caríssimas, lanches elaborados e serviços de café gourmet se espalharam por toda a extensão do trecho da ciclovia que permanece aberto atualmente. As mensagens publicitárias estão por todos os lados, como na praça de alimentação de um shopping center. Por algum motivo misterioso, a Lei Cidade Limpa não tem eficácia ali.
Em meio a essa poluição visual, existe também uma grande tela digital que exibe anúncios diversos em sequência. Propagandas de produtos cosméticos, marcas de bicicletas e acessórios, lojas de decoração e outros artigos diferenciados, voltados ao público que circula pelo local, ficam se alternando no poderoso monitor de LEDs, que tem luminosidade suficiente para aparecer com destaque mesmo nos dias mais ensolarados.

Entre esses anúncios, um deles aparece como a cereja do bolo desta história, certamente voltado para uma parcela do público que se considera a cereja da sociedade. Trata-se do anúncio de um empreendimento imobiliário de altíssimo padrão, com unidades que variam entre 692m2 e 1.171m2 de área privativa. São “casas autônomas” dentro de um condomínio localizado em um dos bairros do distrito do Morumbi, área nobre de São Paulo, oferecidas em versões com quatro ou cinco suítes.
O cliente pode também escolher seu futuro lar conforme o número de vagas. As mais singelas oferecem quatro vagas de garagem, mas caso ele necessite, há também unidades com espaço para seis automóveis.
Seis.
E as imagens disponíveis na página web do empreendimento nos lembram que não são quaisquer seis automóveis. A pessoa que desenhou as chamadas “perspectivas artísticas” do imóvel acabado, usando modelagem computacional 3D, teve a sutileza de escolher imagens de SUVs especialmente grandes e carros esportivos especialmente caros, que valem cifras com seis ou sete algarismos numéricos.

O que chama a atenção nisso tudo é o fato de o profissional de mídia responsável por divulgar o empreendimento ter escolhido a Ciclovia Rio Pinheiros para anunciar tal oportunidade de negócio. A menos que ele esteja bem equivocado – e pelo tamanho da verba que costumam gerir, esses profissionais não costumam ser pessoas equivocadas –, o público que passa por ali inclui os potenciais consumidores de uma casa de mil metros quadrados com cinco suítes e seis vagas de garagem.
Diversidade e desigualdade estão em todos os lugares e, exceto aqueles bem ingênuos, não deveríamos estranhar esse tipo de coisa, mesmo nas situações mais inesperadas. Este caso serve para nos lembrar de como tanto a diversidade, que é sempre algo muito positivo, quanto a desigualdade, uma vergonhosa marca registrada de nosso país, estão presentes de forma explícita também no chamado universo da bicicleta.
Este caso em particular explica bem o porquê de uma ênfase às vezes bastante exagerada nas demandas de segurança pública entre ciclistas, geralmente em detrimento das pautas de segurança viária. Explica também a grande presença, ali naquela ciclovia, de eleitores daquela pessoa que o povo brasileiro escolheu para presidente em 2018, cujo nome não deve ser pronunciado nem escrito. E já que, para o bem e para o mal, há certa coerência entre ideais de vida e comportamentos, explica também as frequentes atitudes arrogantes, grosseiras e intolerantes de alguns usuários dessa ciclovia em relação a outros frequentadores.
Bom perceber também que uma pauta como a redução de vagas de garagem pode fazer bastante sentido para muitos dos que lutam e trabalham por uma mobilidade mais inclusiva e uma cidade mais humana, mas é contrária aos interesses particulares de muitos ciclistas que passam por ali.
Querido Di, Amo seus textos.Obrigada, filho
Hoje acessei pela primeira vez, sua experiência a caminho de Minas,de 2015.Estou gostando demais.