Em matéria publicada no dia 28 de abril de 2010, a repórter Mariana Barros alerta os leitores de Veja para mais uma guerra a ser enfrentada pelos motoristas em sua sofrida rotina. O inimigo: os ciclistas.
Mas por que os ciclistas ameaçam tanto? A foto da matéria responde: porque “costuram” entre os carros parados no trânsito.
É mesmo insuportável para o motorista ver que, sobre uma bicicleta ou uma moto, muitos seguem seu caminho enquanto ele fica lá encurralado. Não é à toa que a repórter, nesse ponto, iguala ciclistas aos motociclistas (ou “motoqueiros”, como prefere).
Ela ainda lamenta que nada acontece com os que deixam de seguir as normas (usar equipamentos de segurança, sinalizar manobras com o braço, respeitar semáforos, trafegar na mão de direção), pois bicicletas não têm placa de identificação. Cara repórter, acontece sim. Um acidente entre uma bicicleta e um automóvel dói bastante, e pode resultar em morte ou sequelas graves. Se qualquer pequeno acidente de automóvel doesse, certamente eles não aconteceriam aos milhares por hora.
Há de fato muitos ciclistas irresponsáveis. Mas eles sempre serão as maiores vítimas de sua irresponsabilidade. E o dano que podem causar aos outros é muito pequeno. Motorista, entenda uma coisa: ciclista nenhum tem interesse em lhe causar prejuízo jogando o próprio corpo contra o seu patrimônio.
Discretamente apresentado pela matéria como exemplo a ser seguido pelos ciclistas é o grupo que só pedala à noite (“porque o tráfego é menos intenso”) e anda em pelotão. Como então eu faço para ir trabalhar?
A mania de tratar bicicleta como um brinquedo, e não como um meio de transporte, aparece também na expressão infantilizadora “turma do pedal”.
É só no penúltimo parágrafo, depois de falar na quantidade de ciclistas mortos em 2009, que vai aparecer mais um elemento, até então esquecido, dessa guerra. Repare: “a intransigência dos motoristas é outro fator que contribui para a insegurança no trânsito”. Fala da pouco praticada regra da preferência dos veículos mais leves sobre os mais pesados. Mas conclui que o problema não está aí: “ainda que os condutores respeitassem a preferencial e fossem gentis uns com os outros, ninguém estaria a salvo de acidentes”. Formidável!
O especialista em educação no trânsito mencionado no final do artigo é citado apenas para lembrar os leitores que ciclovias tirariam espaço de outros veículos para dar às bicicletas. Ele é contra incentivar as “pedaladas” enquanto não houver locais seguros para as bicicletas. Só uma questão: quando será que isso aconteceria? A cada dia que passa, estamos mais perto ou mais longe de um ambiente seguro no trânsito?
A solução do tal especialista, mais uma vez tratando bicicleta como brinquedo, é uma pérola: “se é para estimular a preservação do meio ambiente e a prática de atividade física, não seria melhor fazer uma ampla recuperação de calçadas e incitar as pessoas a caminhar?”.
Usando termos como “guerra”, “embate” e “espinhosos desafios”, a repórter alerta a classe média motorizada leitora de Veja para mais esse perigo das ruas. Ainda que ciclistas estejam em situação de enorme desvantagem quanto à segurança física, é neles que está o problema. A matéria é praticamente um alerta aos motoristas para que tomem o devido cuidado e não arrumem o problema pra cabeça que seria um processo por lesão corporal ou homicídio resultante de um acidente.
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