perceber

Aqui vai uma história que já aconteceu diversas vezes quando pedalo com ciclistas iniciantes. No começo do passeio, a pessoa conta que já pedala e está acostumada aos recursos de sua bicicleta, como freios, trocadores de marcha, selim, guidão. Ótimo, então bora pedalar.

Logo reparo que a pessoa está pedalando numa cadência extremamente baixa. Cadência é a velocidade de giro dos pedais, independente da velocidade da bicicleta, e se mede em voltas do pedivela por minuto. O que importa aqui não é o nome técnico, mas o fato. Se a pessoa está girando os pedais muito devagar, quer dizer que está usando uma marcha pesada demais para aquela situação.

Foto: Dionizio Bueno

Então chega a primeira subida do trajeto. É uma subida pouco inclinada, a pessoa tem condições físicas de encarar, a bicicleta dela tem marchas adequadas para aquilo. Surge um receio, mas eu incentivo dizendo que vamos subir devagar, usando uma marcha leve e pedalando sem pressa, e logo a subida acaba. Mesmo assim, no meio da subida a pessoa desiste.

Digo a ela que observei que ela estava usando uma marcha muito pesada, que se ela tivesse tentado a subida com uma marcha mais leve certamente teria conseguido. Então a pessoa me olha com aquela cara de “ninguém me explicou o que é uma marcha leve”.

A resposta automática a essa pergunta seria uma teorização: marchas leves são aquelas em que giramos os pedais mais rapidamente e fazendo menos força, enquanto marchas pesadas nos obrigam a fazer mais força com as pernas, porém fazendo menos giros do pedal. E logo percebo que dizer isso ali não faria o menor sentido. Talvez a pessoa até já tenha ouvido ou lido essa história em algum lugar, mas isso de fato não produziu sentido nenhum, tanto que a pessoa continua usando as marchas de forma inadequada, ainda que conheça bem seu equipamento.

O que falta a essa pessoa é perceber em seu próprio corpo os efeitos de marchas leves e marchas pesadas. Uma vez que a pessoa consegue perceber isso, ela saberá qual marcha usar em cada situação, sem a ajuda de manuais, páginas de internet ou preleções de espertos no assunto.

Com o tempo, desenvolverá suas preferências pessoais, e há de fato quem se sinta mais confortável com cadências mais lentas, ainda que elas obriguem a fazer mais força. Mas estas preferências surgem justamente da observação do próprio corpo enquanto pedala. O mais importante: as escolhas têm que funcionar, não gerar desistência e frustração.

Mais do que saber pedalar, saber usar a bicicleta significa, em grande medida, aprender a perceber o próprio corpo em sua relação com a bicicleta.

Bicicleta é prática, é vento na cara. Explicações demais geralmente atrapalham.

3 comentários Adicione o seu

  1. Dalva Souza disse:

    Amei ler. Delicadeza e clareza no conteúdo.

  2. Lou disse:

    Cara, eu tenho observado justamente o oposto: a pessoa gira tanto o pedal que fica pulando em cima do selim.

    1. Dionizio Bueno disse:

      Já vi muito disso também. Giro baixo demais ou alto demais, me parece a mesma falta de perceber a bicicleta com o corpo.

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