critérios de escolha

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Você provavelmente já esteve na situação em que há divergência quanto ao trajeto que vai fazer de bicicleta com uma ou mais pessoas. Alguém acaba cedendo, mas essa pessoa pode eventualmente seguir contrariada. Conscientemente ou não, diversos fatores são considerados na escolha de caminhos. A divergência acontece porque cada pessoa dá pesos diferentes a cada um desses fatores. Vamos olhar para cada um eles.

Distância

Este é o mais evidente dos fatores, pode ser percebido e medido de forma mais objetiva. A menos que o propósito do deslocamento seja a contemplação do próprio percurso, tendemos a preferir aquele que oferece menor distância, desde que nenhum dos outros critérios se sobreponha a este. Pode ocorrer, porém, de o trajeto mais curto oferecer muito estresse, um ponto de grande desconforto ou um ganho de elevação maior que de um trajeto alternativo.

Ganho de elevação

Diz respeito à quantidade total de metros que precisamos subir conforme percorremos as vias. Vamos imaginar um pequeno trajeto urbano em que os pontos A e B estão, respectivamente, a 760 e 795 metros de altitude. Uma alternativa de trajeto vai pelo plano e depois tem uma única subida, na qual ganhamos 35 metros de elevação de uma vez (estamos aqui falando não da extensão da subida, mas da diferença entre as duas altitudes medida na vertical). Outro trajeto é como um tobogã: sobe 15 metros, desce 10, depois sobe mais 25 metros, porém desce 15, e então tem uma subida final de 20 metros e chega ao ponto B. Nesta alternativa há um ganho de elevação de 60 metros. Por aqui, você vai subir mais porque nas descidas que há pelo caminho você vai perdendo parte da altitude que já conquistou até então.

Para quantificar o ganho de elevação é necessário o auxílio de instrumentos próprios (como um altímetro) ou de serviços digitais que acessam dados de topografia (ferramentas de traçado de trajetos que criam gráficos de altimetria). Mas essa quantificação não é necessária no dia a dia. Na opção de trajeto tobogã você percebe que está subindo mais do que subiria pelo caminho alternativo. Pode-se preferir uma opção com maior ganho de elevação se o outro trajeto for muito mais longo ou oferecer pontos de muito estresse ou desconforto.

Nível de estresse

Aqui me refiro especificamente à tensão provocada pela velocidade dos veículos motorizados e pelos comportamentos agressivos dos motoristas com quem compartilhamos a via. Este estresse vem da situação de vulnerabilidade em que se encontram os ciclistas diante de veículos motorizados. Naturalmente, trata-se de um critério subjetivo e difícil de ser quantificado. De qualquer forma, podemos fazer algumas considerações.

O maior nível de estresse está em compartilhar uma faixa de rolamento com os motorizados em alta velocidade numa via sem infraestrutura cicloviária. Porém, uma estrutura cicloviária inadequada também pode gerar estresse: por exemplo, uma ciclofaixa, separada dos motorizados apenas por tachões, em uma via estrutural ou de trânsito rápido da cidade.

Estradas e rodovias também podem ser locais bem estressantes. Por mais que se esteja pedalando no acostamento (portanto fora da faixa de rolamento), a velocidade dos motorizados é muito alta e, para alguns, isso pode ser bastante assustador.

É importante notar que há diferenças no comportamento dos motoristas – e portanto no nível de estresse – conforme dia e horário e conforme região da cidade. Sextas e sábados à noite são momentos em que os meninões gostam especialmente de expressar sua suposta masculinidade através da forma de dirigir. Locais menos fiscalizados, como regiões periféricas, e lugares abastados, em que há maior quantidade de automóveis caros usados para ostentação, costumam ser mais perigosos.

O estresse aqui é um fator relacionado ao medo. Assim, pode facilmente se sobrepor a todos os outros critérios: para ter um caminho menos estressante, é comum que ciclistas escolham trajetos mais longos, com maior ganho de elevação e menos confortáveis.

Elementos de desconforto ou risco

Aqui ficam outros aspectos do trajeto que ciclistas podem querer evitar, comprometendo os outros critérios.

Deformidade no pavimento. Ainda que seja uma bicicleta equipada com suspensão, é muito desagradável pedalar em uma via ondulada. Tendemos a evitar vias esburacadas ou pavimentadas com paralelepípedos.

Paradas desagradáveis e traçados estúpidos. Algumas estruturas cicloviárias são construídas assumindo que os ciclistas não têm mais nada para fazer. Há aquelas que terminam de repente, abandonando a pessoa, por exemplo, num canteiro central em que ela terá que aguardar uma brecha no fluxo de motorizados para conseguir sair dali. Há também algumas estruturas que obrigam ciclistas a desvios ou espera de semáforos que seriam desnecessários se simplesmente seguissem o traçado para os automóveis.

Necessidade de carregar a bicicleta. Isso acontece em algumas passarelas e nos acessos a transporte ferroviário ou a algumas ciclovias. Carregar a bicicleta escada acima ou escada abaixo é bastante desconfortável, sobretudo para pessoas com menos força nos braços e/ou quando a bicicleta está pesada. Nesses casos, algumas pessoas escolherão um caminho alternativo, ainda que isso acrescente alguns quilômetros de extensão ao trajeto.

Ameaças. Certos locais colocam ciclistas em situação de grande vulnerabilidade: lugares mal iluminados, ciclovias de canteiro central, que deixam os usuários encurralados entre duas pistas cheias de automóveis, ruas muito desertas. Pode valer a pena pedalar um pouco mais para evitar aborrecimentos.

Formas de poluição. Há na cidade lugares onde há muito mau cheiro (perto de rios, córregos, áreas verdes onde pessoas defecam), fumaça (junto a indústrias ou vias cheias de caminhões), partículas sólidas (emitidas por obras, pedreiras, madeireiras) e outras emissões que, além de desagradáveis, podem fazer muito mal à saúde. Enquanto os automóveis podem fechar seus vidros, ciclistas talvez prefiram passar longe disso.

Inclinação extrema. Independentemente do fator ganho de elevação, alguns trajetos têm subidas bastante inclinadas, que vão submeter ciclistas a um esforço muito grande ou a ter que caminhar empurrando a bicicleta. Por mais que não haja vergonha nenhuma em empurrar a bicicleta em uma subida, pode ser que a pessoa prefira desviar por um caminho mais longo em que possa seguir pedalando tranquilamente.

Estes elementos de desconforto ou risco são aspectos mais pontuais nos trajetos. Os três primeiros fatores – distância, elevação e estresse – são aqueles que regem de forma mais ampla as escolhas dos ciclistas em seu dia a dia. Aqui, estamos no campo das preferências pessoais. É bastante inadequado falar que um deve necessariamente se sobrepor a outro, mesmo levando em conta os diferentes graus de experiência das pessoas na condição de ciclistas urbanos. Ciclistas iniciantes tendem a evitar situações estressantes, mas ciclistas experientes podem também preferir evitá-las como regra geral. Mesmo entre ciclistas com preparo físico, há aqueles que gostam de subir subida e há aqueles que preferem pedalar mais para evitar picos de esforço.

Para além de situações de divergência entre ciclistas na hora de decidir trajetos, ter consciência destes fatores pode ajudar as pessoas, individualmente, a compreender melhor suas escolhas.

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