ciclovias, ciclofaixas

Ciclovias e ciclofaixas são dois tipos de infraestrutura cicloviária com características específicas, mas os termos são muitas vezes usados de maneira confusa. É bem comum que ciclofaixas sejam chamadas de ciclovias.

A forma como a legislação paulistana define os termos não é muito precisa nem estável. A definição de ciclovia, por exemplo, é diferente entre as duas versões da Lei do Sistema Cicloviário de São Paulo.

Na lei 14.266, de 2007, a ciclovia é uma “pista própria para a circulação de bicicletas, separada fisicamente do tráfego geral e (…) totalmente segregada da pista de rolamento do tráfego geral” (grifo meu).

foto: Sudesb

A nova versão da Lei do Sistema Cicloviário (lei 16.885, de 2018) define ciclovia como “pista de uso exclusivo de bicicletas e outros ciclos, com segregação física do tráfego lindeiro motorizado ou não motorizado, podendo ter piso diferenciado no mesmo plano da pista de rolamento ou no nível da calçada” (grifo meu).

Algumas diferenças chamam especialmente a atenção. A nova lei elimina a expressão ‘totalmente segregada’, o que nos leva a supor que a expressão estivesse causando problemas ou limitando em certos contextos o uso do termo ‘ciclovia’. Ao mesmo tempo, a nova versão da lei menciona explicitamente a possibilidade de a ciclovia ser ‘no mesmo plano da pista’. Normalmente, vias para bicicletas com piso diferenciado no mesmo plano da pista são ciclofaixas. A questão acaba sendo deslocada para outra característica: o que pode ou não ser considerado como ‘segregação física’.

foto: Divulgação

Em muitos contextos, a presença de tachões e/ou segregadores sobre a linha delimitadora está sendo usada como motivo, inclusive pela prefeitura e seus órgãos, para chamar de ciclovia o que na realidade é uma ciclofaixa. O texto da nova lei favorece essa troca de nomenclatura. Ciclovia é um termo mais conhecido pelo público em geral, portanto tem mais impacto e prestígio. O efeito discursivo fica acima da precisão da informação.

Na gringa

Em outros países as definições parecem ser mais claras. Na França, piste cyclable (pista ciclável) é uma via independente para a circulação de bicicletas, ainda que seja adjacente a uma via de circulação geral. Já uma bande cyclable (faixa ciclável) é uma faixa reservada para bicicletas dentro de uma via de uma ou mais faixas de circulação geral. A legislação francesa deixa explícito que a linha demarcatória dessa faixa não pode ser atravessada por veículos motorizados mas pode ser atravessada em qualquer ponto, livremente, pelos ciclistas.

A terminologia estadunidense define quatro tipos de vias para bicicletas (bikeways). As vias de Classe I (bike paths, ciclovias) são vias completamente separadas, geralmente localizadas ao longo de vias expressas, ferrovias, e corpos d’água, com número limitado de intersecções e muitas vezes de uso compartilhado com pedestres. Já as vias de Classe II (bike lanes, ciclofaixas) são aquelas localizadas dentro das próprias avenidas. Eventualmente contam com um espaço adicional de separação (buffers) para que os ciclistas fiquem mais longe dos carros em movimento ou estacionados. Repare que, mesmo com uma separação maior da via principal, elas ainda são chamadas de ciclofaixas, já que fazem parte do mesmo leito viário. As vias de Classe III (bike routes, ciclorrotas) são ruas compartilhadas por bicicletas e veículos motorizados, contando apenas com sinalização específica. São instaladas em locais especialmente favoráveis ao tráfego de bicicletas, para compensar descontinuidades entre ciclovias e/ou ciclofaixas. Finalmente, as vias de Classe IV (protected bike lanes, ciclofaixas protegidas) são faixas separadas do tráfego motorizado por elementos verticais como desníveis, barreiras rígidas de metal ou concreto, balizadores flexíveis ou carros estacionados.

Vantagens e desvantagens

Seja pela distância dos veículos motorizados, seja pela existência de uma barreira física efetiva, as vias com segregação total (ciclovias e ciclofaixas protegidas) têm a vantagem de aumentar a percepção de segurança do ciclista, diminuindo o nível de tensão. Assim, tornam-se atrativas também para ciclistas menos experientes e incentivam o uso da bicicleta. Por outro lado, a segregação dificulta as entradas e saídas, tornando a via menos versátil. Dependendo do seu trajeto, é natural que alguns ciclistas abram mão de usar essas vias para trafegar junto aos veículos motorizados. Muitas ciclovias são espaços de uso compartilhado com pedestres, e isso acaba diminuindo a segurança e obrigando o ciclista a trafegar em velocidade menor que poderia.

Ciclofaixas criam um espaço dedicado aos ciclistas permitindo grande agilidade no acesso. É muito fácil entrar na ciclofaixa em qualquer ponto e também sair dela para fazer uma conversão ou para parar em um estabelecimento comercial ou de serviços. A ausência de segregação torna os ciclistas mais visíveis, com duas consequências positivas. Uma é tornar mais fácil para os motoristas notarem a sua presença e interpretarem seus movimentos, o que contribui para a segurança. A outra é que, mais integrados à paisagem viária, os ciclistas ocupam uma posição de maior legitimidade entre os meios de transporte, o que tem um efeito simbólico considerável, tanto na aprendizagem dos motoristas quanto no incentivo geral ao uso da bicicleta.

foto: Fabio Arantes / Secom

A grande desvantagem da ciclofaixa é possibilitar a invasão por veículos motorizados. Na ausência de barreiras físicas e de um grau civilizatório no qual haja respeito a espaços de uso dedicado, é frequente que automóveis trafeguem, parem ou estacionem nas ciclofaixas. Dentro da cultura rodoviarista paulistana, ciclofaixas são praticamente espaços de uso compartilhado entre bicicletas e veículos motorizados.

Tachões e/ou segregadores instalados esparsamente, em intervalos de vários metros, são insuficientes para coibir as invasões. Por outro lado, instalar essas peças formando uma barreira contínua comprometeria o seu uso por parte dos ciclistas e não seria suficiente para segurar um automóvel desgovernado.

A instalação de infraestrutura não substitui a necessidade de desenvolver uma cultura de respeito aos acordos de convivência no espaço comum.

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