Toda criança, um dia, descobre que não é o centro do mundo. Isso acontece especialmente quando ela começa a frequentar a escola.
Nesse momento ela é obrigada a perceber que é apenas uma entre muitas e que não é mais somente para ela que se dirigem todas as atenções. Suas vontades não são mais correspondidas como costumavam ser.
A mudança é grande e complexa, mas a maioria das crianças com o tempo entende o que está acontecendo e supera tudo sem maiores problemas.
No caso de uma criança mimada, ou superprotegida, na terminologia dos psicólogos, o processo é um pouco mais difícil.
Ela estava acostumada a ter todos os seus desejos atendidos prontamente, contava com o empenho total dos pais para qualquer coisa que quisesse, quando bem quisesse, com prioridade absoluta sobre todo o resto. Esse tipo de criança terá problemas na escola, será o que alguns chamam de “aluno difícil”.
Segundo psicólogos, crianças superprotegidas costumam apresentar alguns traços típicos: resistência no cumprimento de regras de convivência, imaturidade, dificuldade de relacionamento, mudanças bruscas de humor, ausência de valores éticos.
Mas não são exatamente essas as características de muitos motoristas que trafegam pela cidade de São Paulo?
Isso é o resultado de décadas de superproteção. O automóvel é aqui mimado, colocado no centro do mundo. Está no centro de todas as decisões urbanísticas da cidade e, ainda que indiretamente, de quase todas as decisões econômicas do país. Não é à toa que os motoristas sejam mimados do jeito que são.
Individualmente, isso é bem fácil de observar. Preste atenção por alguns segundos em um motorista nervosinho e veja ali um moleque esperneando porque alguém não o deixou fazer o que queria.
Coletivamente, podemos ver isso na forma como a opinião pública dos motoristas, através dos formadores de opinião motorizados que têm espaço na mídia, reage a algumas mudanças nas regras de trânsito ou no uso de certas vias.
Observe, por exemplo, a reação dos motoristas à implantação de faixas exclusivas para ônibus. Eles não conseguem se conformar com perda de espaço. Pelo contrário, querem que mais e mais espaços públicos sejam adaptados para que eles passem com seus brinquedões.
Tente propor, digamos, a retirada de uma faixa de rolamento ou de algum espaço de estacionamento para construir uma ciclofaixa permanente. Imagine o berreiro!
Assim como pais e professores de crianças mimadas, o prefeito de uma cidade repleta de motoristas mimados também enfrenta negociações difíceis e às vezes é obrigado a ceder para que sua vida não se transforme num inferno.
Para aplacar a choradeira da criançada, cria faixas de ônibus que funcionam apenas em alguns horários do dia. Pior ainda, libera as faixas exclusivas para a circulação de taxis, uma forma de transporte individual para poucos privilegiados.
Se a ideia é criar e garantir espaço para outros meios de transporte, mais eficientes e menos individualistas que o automóvel, em algum momento os motoristas terão que entender que não são o centro do mundo. É um árduo processo de amadurecimento, um trabalho psicológico longo e doloroso, mas os motoristas terão que passar por isso.
Penso que vale aqui o mesmo conselho que um psicólogo daria se estivesse lidando com uma turminha de crianças mimadas: deixe que esperneiem!
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