Praça Elis Regina, uma hora da madrugada. Colocam mais uma peça de carne na churrasqueira, a brasa segue vermelha. Na noite quente do Butantã, churrasco de amigos na praça, verão chegando. Ninguém teve medo de ser assaltado durante a festa, nenhum vizinho reclamou de barulho, nenhuma viatura parou para averiguação. Festa comunitária, vida e celebração no espaço público.

Na manhã seguinte, passo no local da festa a caminho da padaria. Levaram embora todo o lixo, todos os utensílios. Mas a churrasqueira ficou lá. Pensei: ao fim da festa, a churrasqueira devia estar muito quente para carregar, deixaram ali para pegar no dia seguinte, imagino que daqui a pouco alguém virá buscar.
Vários dias depois, a churrasqueira continuava na praça. Tem vestígio de uso recente, parece que está sendo usada por outras pessoas. Não foi roubada nem vandalizada, permanece onde estava.

A churrasqueira foi incorporada ao mobiliário da praça. Em constante uso, ela é preservada. Ao contrário do que se espera em uma lógica de consumo, o uso não é o que destrói. O uso conserva.
Sem uso, não dura nem a churrasqueira nem o sólido mobiliário oficial da praça, como os bancos, mesinhas e aparelhos de ginástica.
Na verdade, sem uso nada dura. Uma bicicleta não dura, um instrumento musical não dura. Sem vento na cara, seu corpo não dura, sua mente não dura.
“Não pense que a cabeça aguenta se você parar”.