dupla mensagem

Na porta do bicicletário há uma placa onde se vê uma bicicleta com uma tarja diagonal vermelha, símbolo internacionalmente interpretado como “proibido”. Até dá para entender qual foi a mensagem que quiseram passar com essa placa, mas o resultado é bem inusitado.

A curiosa sinalização existe no bicicletário da estação Jardim Helena e em várias outras estações da região. No destaque pode-se ver também a placa indicando “bicicletário lotado”. Foto: Dionizio Bueno.

Será que ninguém notou como a combinação é quase surreal?

O conceito de dupla mensagem é usado, entre outras, nas áreas de comunicação e psicologia para se referir a situações em que uma pessoa diz alguma coisa e, ao mesmo tempo, geralmente por meio de linguagem não verbal, manda uma mensagem que vai na direção oposta daquilo que está dizendo. Por exemplo, um pai ou mãe que diz para a criança parar com certa brincadeira inadequada enquanto permite que a brincadeira continue (seja rindo e achando a brincadeira divertida, seja fazendo a intervenção sem a devida assertividade, enquanto mexe no telefone). A informação não verbal diz à criança que não é para parar, e fica fácil entender como esse tipo de mensagem pode pirar a criança e dificultar o processo educativo, especialmente quando acontece na fase em que ela precisa de limites claros para consolidar a personalidade.

Outro exemplo de dupla mensagem está nas situações em que uma das pessoas diz à outra qualquer coisa equivalente a “eu gosto de você”, enquanto suas expressões faciais, gestos e escolhas dizem “eu não gosto de você”. Se estivermos falando, como no exemplo anterior, de relacionamento parental, estamos diante de um caso bastante delicado que, segundo os psicólogos, está fortemente relacionado à formação de transtornos graves de personalidade, como a esquizofrenia. Podemos também pensar nesse tipo de dupla mensagem em situações de relacionamento afetivo ou profissional, e dá para imaginar a quantidade de problemas que isso gera. Do lado de quem emite a dupla mensagem, ela pode ser resultado de falta de clareza, falta de maturidade ou mesmo de má fé.

Saindo do consultório e voltando à porta do bicicletário, podemos desconfiar que, com essa placa, a administração provavelmente quis dizer “proibido andar montado quando estiver dentro deste recinto”, o que é uma regra de uso compreensível nesse contexto. Porém, ao perceber que se trata de uma placa que diz “proibido bicicleta”, o gestor poderia ter descartado essa primeira ideia e partido para uma sinalização textual, pedindo diretamente que o usuário conduza a bicicleta desmontado quando estiver dentro do bicicletário, como de fato existe em muitos lugares. Se ele previu a presença de usuários analfabetos, a solução iconográfica junto do aviso textual poderia ser a imagem de um ciclista empurrando a bicicleta. Esta seria a instrução afirmativa, que diz o que é para fazer, em vez da instrução negativa, que diz o que não é para fazer, forma de comunicação tão criticada atualmente, em diversas áreas.

Mas enfim, a placa “proibido bicicleta” passou. Foi aprovada, encomendada e instalada. Ninguém viu nada de estranho. Talvez sem intenção, o administrador passa uma mensagem que parece vir das profundezas do inconsciente institucional, nesse verdadeiro ato falho administrativo. Dirige ao ciclista essa intrigante dupla mensagem: “queremos você aqui” e, ao mesmo tempo, “não queremos você aqui”.

Possivelmente o fato de a maioria desses bicicletários viver lotado, muitas vezes já por volta das 5h da manhã, esteja por trás do ato falho. Investir na ampliação do bicicletário, suprindo a grande demanda reprimida de pessoas que querem usar a bicicleta para chegar à estação, parece ser uma opção pouco cogitada. Diante disso, mais ciclistas querendo usar o serviço representam um problema. Melhor afastá-los.

Nas ruas como nos consultórios, ficamos entre umas poucas possibilidades de interpretação dessas duplas mensagens: falta de clareza, ma fé, esquizofrenia administrativa.

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