quinze minutos

Escolhemos morar em cidades para estar perto de outras pessoas, do comércio, dos serviços e oportunidades profissionais que não existem no campo. Porém, cá estamos e quase tudo está longe. Precisamos viajar diariamente dentro da própria cidade até para ter o básico. Onde foi que erramos?

A ideia de cidade de quinze minutos propõe uma forma de organização da cidade em que as pessoas possam ter perto de casa tudo que precisam em seu dia a dia. Nas propostas mais ambiciosas, esse perto significa quinze minutos de caminhada ou cinco minutos de bicicleta. Segundo o conceito, as vizinhanças devem suprir localmente as necessidades das pessoas dentro de seis funções sociais: moradia, trabalho, abastecimento, cuidados de saúde, educação e lazer.

Modelo de bairro conforme o projeto parisiense. Imagem: Ville de Paris (paris.fr). CLIQUE PARA AMPLIAR

Para a maioria das pessoas, a realidade não poderia estar mais distante disso. O cotidiano é marcado por muitas horas gastas em deslocamentos, seja em transporte público ou em veículos individuais motorizados. O trabalho distante de casa produz os movimentos pendulares, no início e fim do dia. As compras muitas vezes são feitas em mercados grandes, projetados para quem vem de carro fazer compras volumosas, já que não é todo dia que dá para ir a um mercado longe de casa. A cidade também concentra, apenas em certas regiões, as instituições privadas de saúde e de educação, que nada mais são que nichos específicos de mercado. Somente redes públicas de educação e saúde, planejadas com objetivo de servir a sociedade, e não de ganhar dinheiro, podem estar distribuídas igualmente em todos os pontos da cidade. Bairros desprovidos de espaços públicos em que a convivência aconteça espontaneamente, como praças, parques ou o próprio mobiliário urbano das ruas, obrigam as pessoas a se deslocarem quando podem para encontrar espaços destinados ao lazer, muitas vezes privados e associados ao consumo.

São muitos os desafios para a implantação desse conceito urbanístico, e morar perto de tudo pode muito bem não ser o sonho de qualquer morador da cidade. Sempre haverá, por exemplo, aqueles que preferem morar em bairros residenciais, chamados de ‘ilhas de tranquilidade’ nas concepções modernistas de urbanismo. Na década de 1960, em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades, Jane Jacobs fez uma importante crítica a esse modelo de cidade, que de tão organizada se torna fria, mostrando de uma forma muito bonita como a diversificação de usos traz vivacidade às ruas. A importância de bairros de uso misto, capazes de suprir as funções urbanas essenciais à vida diária das pessoas, é novamente colocada em pauta nesta época em que tanto tempo é perdido em deslocamentos urbanos.

No caminho em direção à cidade de quinze minutos, é preciso atuar em várias frentes: diversificação e distribuição do comércio local para que atendam necessidades diárias, conservação e reconfiguração de espaços comuns para que acolham os cidadãos, abertura de equipamentos públicos à comunidade para que desenvolvam atividades culturais e esportivas, limitação de vagas de estacionamento de forma a tornar a paisagem urbana mais acolhedora e incentivar mudanças nos hábitos de mobilidade. É preciso pensar simultaneamente nesses diversos aspectos, atuando sobre eles com os instrumentos de gestão apropriados.

O momento de discussões públicas sobre o plano diretor parece particularmente propício para se pensar, tendo essa visão de cidade como referência, nos efeitos de cada artigo da lei. Talvez o maior desafio seja evitar que essas experiências sigam o caminho da gentrificação, tendência natural do mercado imobiliário, e isso só é possível com forte resistência da sociedade civil. É importante que essas experiências sejam acessíveis, com oportunidades de moradias de diferentes tamanhos e custos e, sobretudo, com poucas ou nenhuma vaga de garagem. Afinal, a grande inspiração aqui é justamente uma caminhada de quinze minutos.

É claro que deslocamentos para fora dessas centralidades continuam existindo, com finalidades específicas e eventuais. Ao suprir necessidades básicas diárias, a cidade de quinze minutos propõe reduzir sensivelmente os deslocamentos longos, não eliminá-los. Até porque, para muita gente que escolheu morar em uma cidade grande, jamais ter que sair do bairro poderia tornar a vida bem menos interessante.

Experiências em cidades como Paris, Dublin e Portland mostram que é possível unir um modo de vida mais local e saudável à vivacidade das grandes cidades. Ainda que a tecnologia e as máquinas tragam outras alternativas a quem tem acesso a elas e escolhe viver dessa forma, as cidades precisam oferecer a todos a possibilidade de uma vida dentro da escala humana. É este, talvez, o lugar de onde jamais deveríamos ter saído.

1 comentário Adicione o seu

Deixe um comentário